Cozinha Comunitária da UNAS atua no combate a insegurança alimentar em Heliópolis
- Escrito por Isabela do Carmo | Editor Douglas Cavalcante
- há 4 horas
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O espaço serve 400 refeições gratuitas por dia, com duas opções de salada, guarnições variadas e fontes de proteína, a fim de promover alimentação equilibrada para a comunidade
“Gente é para brilhar, não para morrer de fome” — é o que diz a canção “Gente”, composta e interpretada por Caetano Veloso. Mais do que um verso marcante da história da Música Popular Brasileira (MPB), essa frase também estampa a fachada da Cozinha Comunitária Dilza Maria Dias, localizada na Rua da Mina, em Heliópolis, maior favela de São Paulo. O espaço foi criado há um ano pela UNAS, com o objetivo de combater a fome e a insegurança alimentar na região.

O equipamento recebe o Programa Rede Cozinha Escola, fruto da parceria entre a UNAS e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, por meio da Secretaria Executiva de Segurança Alimentar e Nutricional. A cozinha comunitária serve 400 pratos por dia, de segunda a sábado. Desde sua inauguração, já foram servidas mais de 210 mil refeições, garantindo alimento digno e saudável à população local.
Segundo Cleide Alves, presidente da UNAS, 62 anos, a necessidade de criar um espaço comunitário para a oferta gratuita de alimentos surgiu com a chegada da pandemia de COVID-19, em 2020. Com o fechamento das escolas, creches e comércios, e diante das sucessivas demissões que afetaram as famílias da comunidade, ficou evidente a urgência de garantir o acesso à alimentação.
“A gente passou por um aperto grande na época da pandemia. Foi um período em que vimos a fome e a morte baterem à porta das casas das pessoas. Foi então que veio a pergunta: ‘E agora? Como vai ficar a alimentação das nossas crianças e dos nossos jovens?’. Porque muitos deles se alimentavam nas creches, projetos e nas escolas”, relembra. Em um primeiro momento, foram articuladas parcerias com instituições da sociedade civil e coletivos locais para viabilizar a distribuição de marmitas e cestas básicas às famílias de Heliópolis, fortemente impactadas pela crise gerada pela pandemia.
Com o passar do tempo e diante da necessidade de uma ação mais estruturada e contínua, a UNAS contou com apoio da Habitat para Humanidade, que viabilizou recursos financeiros para criação de uma cozinha, e assim foi possível concretizar um novo passo: a inauguração da Cozinha Comunitária Dilza Maria Dias, instalada na quadra da UNAS, em 19 de outubro de 2023. “Quando falamos de uma cozinha comunitária estamos falando de mais do que apenas comida no prato, estamos falando de suprir a falta de nutrientes, de alimentar vidas com dignidade. A alimentação, para nós, é algo muito valioso. Afinal, ninguém consegue se levantar, estudar, trabalhar ou se desenvolver fisicamente sem estar bem alimentado. Estamos tratando de algo essencial”, diz.

De acordo com o I Inquérito sobre a Situação Alimentar no Município de São Paulo, elaborado pelo Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo (COMUSAN-SP), o Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional da Cidade de São Paulo (OBSANPA) e pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e da Universidade Federal do ABC (UFABC) - e divulgado em setembro de 2024 - 5,8 milhões de pessoas (pouco mais da metade da população do município de São Paulo) reside em domicílios submetidos a algum grau de insegurança alimentar, ou seja, sem acesso regular e permanente aos alimentos de que necessitam.
Nesse sentido, Cleide Alves reforça que o compromisso e papel da cozinha comunitária em Heliópolis. “Queremos garantir uma alimentação de verdade, nutritiva, balanceada e com sustância. Isso significa incluir carnes, frutas, legumes e verduras, respeitando a diversidade e as necessidades da nossa comunidade.”
Alex Santos, coordenador e nutricionista da cozinha solidária, 25 anos, explica que o espaço de alimentação coletiva tem como principal premissa enfrentar a insegurança alimentar por meio da oferta de alimentos ricos em nutrientes, reconhecendo a alimentação como um direito humano fundamental.
“O principal papel dos direitos humanos é garantir alimentação saudável para todos. A partir do momento em que conseguimos oferecer duas opções de salada e proteínas diversas, estamos garantindo direitos e combatendo a fome”, afirma.

Ele destaca ainda o impacto direto na saúde da comunidade: “Tem gente que tem questões de saúde e não consegue fazer o tratamento adequado em casa, porque não tem acesso a uma alimentação equilibrada. Aqui, as pessoas conseguem comer mais legumes, verduras, arroz integral e um pouco mais de carne. Oferecemos refeições com os nutrientes que muitas vezes não estão disponíveis no dia a dia dessas pessoas. Damos a opção de uma alimentação balanceada, nutritiva e acessível.”
Além disso, o nutricionista destaca que a cozinha solidária também cumpre o papel de apresentar novos sabores e ampliar o repertório alimentar dos moradores de Heliópolis. Um exemplo disso foi a realização do evento "MasterChef na Favela", promovido pela UNAS, em novembro de 2024.
Na ocasião, foram realizadas três oficinas gastronômicas com Ana Carolina Porto, campeã da 10ª edição do MasterChef Brasil. Ao final das atividades, o público que já frequenta a cozinha teve a oportunidade de experimentar pratos diferentes do habitual — como, por exemplo, o salmão — mostrando que é possível unir alimentação saudável, sabor e novas experiências, mesmo em contextos de vulnerabilidade.
“Em eventos e festividades, as pessoas têm a oportunidade de conhecer pratos mais elaborados, diferentes do que costumam comer no dia a dia. E eu acredito que esse também é um dos papéis da cozinha: acolher com cuidado e dignidade.”
Nesse sentido, Alex ressalta que, mais do que alimentar, um dos principais propósitos da cozinha é fazer com que o público se sinta acolhido e pertencente ao espaço. “Nosso primeiro trabalho é o acolhimento. A gente conversa com o pessoal que está na fila, coloca uma música agradável, cria um ambiente leve. Queremos que as pessoas se sintam confortáveis, respeitadas e parte do lugar onde estão sendo servidas. O objetivo é garantir alimentação de qualidade para todos, sem distinção de raça, gênero, classe ou religião.”

Para Lúcia Taveira, 61 anos, frequentadora da cozinha comunitária desde março do ano passado, o espaço se transformou em um verdadeiro ponto de encontro e acolhimento. “Eu cheguei aqui e não consigo mais ir para outro lugar. Aqui eu tenho amigas, me sinto acolhida. Não é só comida, é cuidado. Eles acolhem até os cachorros que acompanham as pessoas em situação de rua. Aqui não existe discriminação, todo mundo é tratado com respeito.”
Já Vera Lúcia, 65 anos, destaca o impacto positivo da cozinha comunitária na vida econômica das pessoas da região. “Além de ajudar a economizar, a comida daqui tem tempero, e o tempero é tudo. A gente se alimenta bem, tem suco, frutas e duas opções de salada. Acho difícil conseguir tudo isso em casa, não estaria disponível. É um lugar pelo qual a gente torce para que continue existindo, porque, sem ele, muita gente em Heliópolis passaria fome. Pra mim, essa cozinha é como uma segunda casa.”
A Cozinha Comunitária Dilza Maria Dias realiza também um importante trabalho, visitando e mapeando as famílias que precisam receber as refeições em casa, por meio de marmitas. O atendimento é direcionado, principalmente, a pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, que são cadastradas pela equipe do projeto.

“A minha parte enquanto assistente social é atender 55 pessoas. Faço questão de ir até as casas, realizar visitas. É importante conhecer um pouco mais deles. Porque não é só entregar a marmita — a gente quer conhecer mesmo, né? Ver de perto a realidade, entender suas necessidades, suas histórias. Esse contato faz toda a diferença”, diz Sheila da Silva Pimenta, 38 anos, assistente social da cozinha comunitária.
Dessa forma, Sheila reforça que a atuação da Cozinha Comunitária Dilza Maria Dias vai muito além da entrega de alimentos: trata-se de um espaço de cuidado, escuta e vínculo com a comunidade. A iniciativa demonstra como políticas públicas sensíveis e próximas da população têm o poder de transformar realidades, promovendo dignidade e acolhimento para quem mais precisa. Pois alimentar também é um gesto de afeto, respeito e compromisso com a justiça social.
Projeto | Cozinha Comunitária Dilza Maria Dias
Horário de funcionamento: segunda a sábado, das 11h às 13h.
Endereço: Rua da Mina Central, 37 - B | Heliopolis, São Paulo - SP, 04235-460.
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