Projeto social atua sobre o tema de saúde sexual em Heliópolis
Heliópolis Investindo na Vida oferece oficinas, rodas de conversa e dinâmicas sobre prevenção de HIV, ISTs e métodos contraceptivos para jovens da Maior Favela de SP

O acesso à informação de qualidade não apenas se configura como um direito essencial, mas também se revela como uma das facetas mais visíveis do privilégio social, que, consequentemente, tem sido um fator de separação entre aqueles que conseguem encontrar meios ágeis e eficazes de acessar os serviços públicos voltados para a garantia da saúde. Essa realidade é descrita por David Oliveira, 33 anos, oficineiro da 3ª edição do Projeto Heliópolis Investindo na Vida, desenvolvido pela UNAS, em parceria com a Prefeitura de São Paulo, por meio da Coordenadoria de IST/Aids de São Paulo.
"Atuo com a pauta do HIV há oito anos e considero essencial a existência de um projeto como este, especialmente além do centro expandido. Há uma grande lacuna na atuação do Estado em promover esse debate e levar informação à população. Por isso, estabelecer essa ponte de comunicação com a quebrada é um trabalho construído coletivamente e de extrema importância para a comunidade", relata.
O projeto tem como objetivo conscientizar crianças e jovens de 10 a 14 anos da UNAS sobre a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e os métodos contraceptivos. Mais do que informar, o projeto busca empoderá-los, fornecendo ferramentas para que tomem decisões responsáveis sobre sua saúde e bem-estar. Ao difundir esse conhecimento fundamental, a iniciativa promove a construção de uma geração mais autônoma, apta a gerir sua saúde sexual com responsabilidade, segurança e discernimento.

David explica que a atividade se fundamenta em dois pilares principais. O primeiro consiste no trabalho direto com três jovens educadores, que atuam como multiplicadores da informação. Já o segundo é consolidado em parceria com Jéssica Ferreira, coordenadora do projeto - garantindo que os conhecimentos adquiridos pelos multiplicadores da informação sejam aplicados nas oficinas com os educandos dos CCA’s (Centro para Crianças e Adolescentes).
"Para além da temática do HIV e da prevenção das ISTs, trabalho com eles [multiplicadores da informação] questões como direitos humanos, métodos contraceptivos, gênero, raça, sexualidade de maneira didática e lúdica, utilizando dinâmicas em grupo, rodas de conversa e jogos". Um exemplo disso é uma mandala, adaptada como um jogo da memória, que apresenta ilustrações sobre métodos de prevenção.
“Aqui, temos um espaço seguro, um lugar de troca. Nas oficinas, também abordamos os serviços de saúde pública e discutimos amplamente as violências estruturais, como machismo, homofobia, racismo, misoginia e hipersexualização. Afinal, são, sobretudo, as pessoas negras e periféricas que mais sofrem com a falta de acesso à informação e à prevenção", destaca.
Conhecimento compartilhado

Além das oficinas realizadas nos espaços que atendem crianças e jovens da organização, Jéssica Ferreira, coordenadora do projeto, explica que a ação também se estende para fora das salas de aula. “Distribuímos, às pessoas nas ruas, insumos de prevenção sexual, cartilhas informativas e folhetos que explicam sobre o HIV e ISTs. Falamos também da importância da vacinação e do uso da camisinha, tanto feminina quanto masculina.” Ela também ressalta que, ao distribuir esses materiais ao público, são oferecidas informações mais detalhadas sobre métodos de prevenção, como a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) e PEP (Profilaxia Pós-Exposição).
Impacto
Segundo Jéssica, até o final de 2025, quando se encerrará o terceiro ciclo do projeto, espera-se que a atividade tenha atendido 320 adolescentes e jovens. “Esse é um número bastante significativo, pois conseguimos alcançar um grande número de pessoas no território, trabalhando de forma direta com a realidade e o olhar desses jovens. Por exemplo, vejo muitas meninas que não sabem nada sobre menstruação ou anticoncepcionais, e, por isso, não têm noção da importância dos cuidados preventivos.”
Para a coordenadora, a maior importância deste projeto é empoderar as crianças e os jovens, especialmente as meninas, que ela considera o público mais vulnerável. “Também buscamos conscientizar os meninos sobre a importância do uso da camisinha e, acima de tudo, sobre o respeito ao corpo do outro. Esse é um compromisso compartilhado, pois, nas reuniões com os pais, realizamos as mesmas atividades e debates com os responsáveis, garantindo que a educação se estenda além dos espaços formais e chegue também às casas. É realmente um trabalho de ‘formiguinha’”, destaca.
Como o debate chegou à UNAS
Em 1991, o Brasil registrou 11.805 casos notificados de HIV, segundo o Ministério da Saúde. Foi nesse período de epidemia que a UNAS passou a conscientizar a juventude de Heliópolis sobre a rápida disseminação do vírus. De acordo com Solange da Cruz, 59 anos, diretora da UNAS - após ler o livro "Sexo Para Adolescentes", de Marta Suplicy - que ela encontrou inspiração para trazer esse conteúdo à periferia e à população da favela de Heliópolis.
Ela percebeu a necessidade de adaptar as informações sobre sexualidade e prevenção, oferecendo um espaço de diálogo e aprendizado acessível para os jovens da comunidade, que muitas vezes não tinham acesso a essas orientações em outras esferas.
“Eu li esse livro e adaptei para o 'favêles', uma linguagem que os jovens daqui pudessem entender. Criei uma cartilha para trabalhar com o público dos CCA’s. Aqui, as crianças e jovens amadurecem mais rápido, principalmente as meninas, que começam a cuidar mais do corpo e a se defender, infelizmente. Foi então que começamos a trabalhar a prevenção do HIV e outros temas relacionados. Esse foi o momento em que começamos a abordar esse assunto na organização, desmistificando-o aos poucos.”
Embora o debate sobre o HIV tenha se expandido na sociedade, a diretora da UNAS destaca que ainda há um longo caminho a percorrer no combate ao preconceito e aos estigmas relacionados ao vírus. “Ainda falta a implementação de políticas públicas de informação e acesso à saúde em todo o território, e isso continua sendo uma grande lacuna.”
Nesse sentido, David também pontua: “Uma pessoa que vive com HIV não é o HIV. Temos que desmistificar o tema, buscar tratar o assunto com clareza e didática, sendo uma das maneiras de quebrar os tabus que ainda o cercam.”
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