Sem dados da Prefeitura sobre casos de Covid-19 na favela, Heliópolis se organiza para mapear vítima
A pandemia do novo coronavírus expõe as desigualdades no Brasil e no mundo. Em São Paulo, atual epicentro da COVID-19, a doença que iniciou nos bairros mais ricos – sendo as primeiras pessoas infectadas aquelas que trouxeram o vírus do exterior – se difundiu pelos bairros periféricos.
A difusão da doença na cidade preocupa os movimentos sociais, coletivos e organizações de bairro que articulam redes de solidariedade para proteger as comunidades mais vulneráveis.
A UNAS desde o início da pandemia intensificou suas ações junto as famílias acompanhadas por seus projetos. Destacam-se as ações de distribuição de cestas básicas e insumos de higiene e proteção, como máscaras reutilizáveis.
Além das ações solidárias e de proteção as famílias, por meio do Observatório de Olho na Quebrada, a UNAS vem acompanhando o avanço e os impactos da COVID-19.
Logo nas primeiras semanas denunciamos a difícil situação financeira das famílias antes e com o início da pandemia: as famílias com menor renda foram as mais impactadas.
Neste matéria apresentamos o Levantamento Comunitário de COVID-19 em Heliópolis. Para tanto realizamos uma pesquisa, via formulário online, com os moradores e lideranças territoriais para levantar os casos (suspeitos e confirmados e óbitos pelo novo coronavírus). O objetivo desse levantamento é subsidiar as ações da UNAS no território e fornecer subsídios para que sejam adotadas políticas públicas específicas para o combate da pandemia nas favelas como um todo.
Evidente que os resultados apresentados aqui são subestimados. Ou seja, apenas a ponta do iceberg. Principalmente porque não existe, até o momento, uma política de testagem da população que permita compreender a real situação.
Os dados acima foram obtidos no portal DATASUS, a partir do banco de dados de hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) até o dia 18 de maio. Dentre as SRAG, parte delas são casos confirmados de COVID-19, outra parte não tem a causa identificada, ou seja, são casos suspeitos de COVID-19.
Tais dados contemplam somente as hospitalizações e óbitos pós internação. Ou seja, pessoas que se trataram ou morreram em sua residência não estão contabilizadas nessas estatísticas. Se contabilizarmos os casos que mapeamos de pessoas que estão em quarentena dentro de suas casas, em Heliópolis seriam pelo menos 245 casos (suspeitos e confirmados) de COVID-19. O número de óbitos é o mesmo que o nosso levantamento comunitário, o que reforça a validade das nossas pesquisas.
As informações disponibilizadas pelo DATASUS também estão sub notificadas, em primeiro lugar pois se tratam dos casos hospitalizados, em segundo lugar pois boa parte das informações – que tem como base os relatórios médicos de cada paciente – não tem a informação do CEP – pela qual conseguimos identificar o endereço e saber se é de Heliópolis.
De qualquer maneira as informações disponíveis reforçam que a pandemia está se espalhando por nosso bairro, o que reforça a necessidade de isolamento social.
O mapa acima mostra que a concentração de casos está próxima as avenidas com concentração de comércios e, consequentemente, maior circulação de pessoas. Portanto, observamos com muita preocupação as movimentações recentes, por parte do poder público de retomar atividades econômicas não essenciais.
Com os resultados que divulgamos aqui é possível afirmar: a doença chegou em Heliópolis e está presente em todos os territórios que compõe a favela.
Os locais mais populosos são, evidentemente, onde se concentram o maior número de casos. Especificamente os núcleos (territórios) “Lagoa” e “Mina, com 50 e 40 casos respectivamente.
Apenas dois territórios ainda não relataram óbitos pela COVID-19. Dentre os casos mapeados, 42% estão em casa cumprindo a quarentena. Entretanto, em 7% dos casos a família não tem condições de isolar a pessoa doente. A necessidade de trabalhar para sobreviver (25%) e as condições da moradia (75%) são as causas dessa impossibilidade.
Fica evidente que a o isolamento social é uma questão coletiva, não individual. Já que uma parte considerável das famílias não tem condições de isolar o doente dos demais. Portanto é urgente que sejam implementadas políticas públicas específicas para dar condições de isolamento social a essas famílias. Alguns caminhos para isso: a ampliação da renda emergencial e a disponibilização de moradias provisórias.
Os dados apresentados no mapa reforçam a necessidade do isolamento social, única forma que temos para combater o avanço da doença em nossa comunidade.
37% dos casos de COVID-19 mapeados já foram curados. Uma ótima notícia para toda a comunidade, 15% dos casos estão internados em um hospital. Ou seja, falamos de uma doença muito perigosa, todo o cuidado é pouco!
Mais do que números, falamos de vidas, de pessoas queridas que não estão mais com suas famílias. Ao contrário do que muitos dizem, essa não é uma doença que mata somente pessoas idosas. Os dados de Heliópolis mostram que a maioria das vítimas (54%) são adultos (entre 31 e 59 anos). Os jovens também estão sujeitos a maiores complicações pela COVID-19, sendo 13% das vítimas fatais. Outro dado que chama a atenção é que a maioria das vítimas são homens (87%), mulheres somam 13%. Outro dado relevante é sobre a cor/raça das vítimas. 42% são pretas ou pardas, 54% são brancas e 4% amarelas.
PRECISAMOS DE MAIS INFORMAÇÕES!
Até o momento o governo não informou o número de casos e vítimas em Heliópolis, bem como de nenhuma outra favela da cidade de São Paulo.
A falta de dados específicos dificulta a ação das organizações locais e deixa as comunidades a mercê da desinformação e das fake news compartilhadas principalmente via WhatsApp. As únicas informações que são divulgadas pela Secretaria Municipal de Saúde se referem aos distritos, que são recortes territoriais muito grandes, com população que se assemelha a cidade de médio porte.
O distrito do Sacomã, onde está localizado a favela de Heliópolis, em 14 de maio acumulava 92 óbitos (suspeitos e confirmados) pela COVID-19.
Ao compararmos os dados óbitos pelo Observatório de Olho na Quebrada e os dados oficiais, as mortes de Heliópolis – mesmo que subdimensionadas – correspondem a 26% de todos os óbitos por COVID-19 do distrito do Sacomã.
Ou seja, os resultados apontados aqui mostram um cenário preocupantes. Essa constatação é reforçada pelo fato de que os leitos disponibilizados para o tratamento da COVID-19 em Heliópolis estão quase todos ocupados.
Destacamos que o levantamento realizado pelo Observatório não dá conta de toda a realidade de Heliópolis, acreditamos que existam mais vítimas e casos que não foram mapeados. A situação é ainda mais complicada.
A falta de dados específicos dificulta a ação da UNAS e das outras organizações locais, que já é bastante complexa devida a escassez de recursos humanos, financeiros e logísticos.
Esse pesquisa é também um apelo aos governos, especialmente a Prefeitura de São Paulo. É urgente que a Secretaria Municipal de Saúde disponibilize informações sobre os casos, óbitos e condições dos hospitais nos diferentes territórios da cidade, em especial nas favelas e outros lugares vulneráveis. Também é fundamental que sejam divulgadas informações sobre o perfil dos doentes: faixa etária, cor, gênero, condições de saúde.
Essas informações devem ser disponibilizadas em uma linguagem simples, de fácil entendimento para a população. Além disso precisa ser atualizada diariamente, já que a difusão da doença é muito rápida.
Para tanto, sugerimos: (1) um mapa online e interativo onde as pessoas possam encontrar informações sobre seu bairro; (2) presença mais intensa dos agentes de saúde nas ruas onde se concentram os casos, utilizando megafones e carros de som para sensibilizar as pessoas; (3) atuação em conjunto com as organizações locais, para identificar as famílias que precisam de condições para se isolar.
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